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Guilherme Sacamone – entrevista com o CEO da OKX sobre o setor cripto

Bitcoin coin close-up on circuit board. Finance concept. High quality photo

Guilherme Sacamone, CEO da corretora OKX, concedeu entrevista ao portal Cripto Magazine para tratar sobre o setor de criptomoedas. Entre outros pontos, ele comentou sobre o impacto do novo mandato de Donald Trump até aqui e sobre o desenvolvimento do mercado em território brasileiro.

Entrevista

Guilherme Sacamone, CEO da OKX.

1. Como você avalia o segundo mandato de Donald Trump no que diz respeito ao
setor cripto até o momento? O político tem se cercado de nomes favoráveis ao
setor e, entre suas ações, assinou um decreto para a criação de uma reserva
estratégica de Bitcoin para seu país.

Guilherme Sacamone: O segundo mandato de Donald Trump tem representado uma guinada pró-cripto sem precedentes na política norte-americana. Entre as principais medidas, destacam-se a revogação da ordem executiva da era Biden que previa a criação de uma CBDC, a instituição de uma reserva estratégica de Bitcoin a partir de ativos apreendidos, e a substituição de autoridades regulatórias por nomes alinhados ao setor, como Paul
Atkins na SEC. O governo também designou o investidor David Sacks como responsável pela agenda de criptoativos, arquivou processos contra grandes exchanges e avançou
na direção de maior clareza regulatória para a indústria.

Esse conjunto de ações reforça a legitimidade do Bitcoin como ativo de reserva em
âmbito nacional e fortalece sua posição como elemento estratégico dentro dos
mercados globais, ampliando seu reconhecimento não apenas como instrumento
financeiro, mas como componente relevante da política econômica dos Estados Unidos.

2. Desde a vitória de Donald Trump na corrida eleitoral, o Bitcoin também
ultrapassou mais de uma vez sua máxima histórica, chegando à mais recente
delas no dia 14 de agosto. Isso demonstra uma maior confiança do público na
criptomoeda?

Guilherme Sacamone: O movimento do Bitcoin após a vitória de Donald Trump reflete uma retomada robusta da confiança dos agentes de mercado, abrangendo desde investidores de
varejo até instituições financeiras globais. A sinalização explícita do novo governo em favor do setor, com a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin, a redução de pressões regulatórias e a valorização das inovações digitais, introduz um ambiente de maior previsibilidade e legitimidade para o ativo.

Esse contexto reforça a percepção de que o Bitcoin está avançando para além de seu caráter predominantemente especulativo e se consolidando como instrumento estratégico de preservação de valor. Cada vez mais, o ativo é visto como alternativa de hedge contra incertezas macroeconômicas, como diversificador não correlacionado em carteiras institucionais e como componente de reservas soberanas em escala global.

3. No Brasil, a adesão às criptomoedas também tem chamado atenção. A empresa
Méliuz, por exemplo, se tornou uma Bitcoin Treasury Company em maio com um
investimento milionário. Como você avalia o desenvolvimento do mercado em
território brasileiro?

Guilherme Sacamone: O mercado brasileiro de criptoativos tem apresentado uma evolução consistente, marcada pela combinação entre amadurecimento regulatório e crescente engajamento corporativo e institucional. A entrada da Méliuz no setor simboliza essa nova etapa, na qual empresas locais passam a tratar o cripto não apenas como inovação tecnológica, mas como instrumento estratégico de gestão de valor e diversificação de ativos.

Apesar de o Brasil se destacar por possuir um ecossistema regulatório relativamente
avançado na América Latina, iniciativas recentes, como a MP 1303, levantam preocupações sobre a sustentabilidade desse avanço. Movimentos regulatórios que introduzem incertezas ou sobreposição de competências podem comprometer a previsibilidade conquistada e afetar negativamente a competitividade do mercado local.

Ainda assim, a combinação de um arcabouço regulatório já estabelecido, somada a um
público jovem e altamente digitalizado, mantém o Brasil em posição privilegiada para se consolidar como hub regional de inovação e adoção cripto. O país segue atraindo fluxos
relevantes de capital, mas a consolidação como referência global dependerá de um
ambiente regulatório que equilibre segurança jurídica com estímulo à inovação.

4. No cenário de maior visibilidade para as criptomoedas, quais são os principais
desafios para as grandes corretoras cripto?

Guilherme Sacamone: Um dos principais desafios para as grandes corretoras de cripto no Brasil é a assimetria regulatória. Apesar de avanços importantes, como o marco legal dos
criptoativos e a supervisão de VASPs pela autoridade local, ainda existem lacunas
significativas, especialmente na regulamentação de derivativos. Essa ausência de
clareza abre espaço para arbitragem regulatória: enquanto empresas locais precisam
cumprir regras estritas, corretoras internacionais conseguem oferecer produtos não
regulados, atraindo a demanda de investidores brasileiros.

O impacto vai além dos derivativos. Mesmo no mercado à vista, cerca de 60% do
volume negociado em reais hoje ocorre em corretoras internacionais, o que significa
que o Brasil deixa de arrecadar impostos relevantes sobre essas movimentações. Ao
mesmo tempo, requerimentos de reporte, como a IN1888, recaem apenas sobre
corretoras locais, criando ainda mais distorções de competitividade.

Por fim, iniciativas recentes, como a MP 1303, reduzem ainda mais os incentivos para
que usuários brasileiros mantenham suas negociações em plataformas locais, enfraquecendo o desenvolvimento de um ecossistema sustentável no país. O desafio,
portanto, não é apenas de eficiência operacional, mas de como garantir condições
equitativas de concorrência, equilibrando segurança jurídica, arrecadação e estímulo à
inovação.

5. Em meio à maior visibilidade do setor, governos têm atuado no que diz respeito
à regulamentação das criptomoedas. Em sua opinião, quais têm sido os principais
avanços das autoridades nesse sentido e o que ainda falta para que mercados,
como o brasileiro, contém com um framework regulatório adequado?

Guilherme Sacamone: Do ponto de vista global, temos visto avanços importantes na regulamentação de criptoativos, com jurisdições cada vez mais alinhadas na construção de frameworks claros para o setor. A OKX, por exemplo, já opera hoje sob licenças em mercados como Austrália, União Europeia, Singapura e Emirados Árabes Unidos, o que mostra que é possível combinar inovação com segurança regulatória. Na América Latina, vale ressaltar a liderança de El Salvador, que estabeleceu um marco robusto para ativos
digitais, incluindo derivativos, criando um ambiente competitivo e transparente.
No Brasil também houve avanços relevantes, com a aprovação do marco legal e a
definição do Banco Central como regulador das VASPs.

No entanto, ainda faltam definições em áreas estratégicas, como a regulamentação de derivativos, a não vedação à utilização de orderbooks globais e o entendimento de que stablecoins não devem ser tratadas como moedas fiduciárias para fins da regulação cambial. Esperamos também que a regulamentação do Banco Central crie condições mais equilibradas para que corretoras locais possam competir em pé de igualdade com players internacionais.

Esses passos serão fundamentais para que o país consiga consolidar um framework
regulatório completo, capaz de atrair investimentos, preservar arrecadação e garantir a
proteção do investidor.

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